terça-feira, 11 de agosto de 2015

OS LIMITES DO ABSURDO EXISTENCIAL DE ALBERT CAMUS



 O absurdo é caracterizado pela falta de sentido. Ele se define como algo carente de coerência. O homem sempre desejou uma reposta coerente para sua existência, sempre aspirou por uma felicidade, por uma resposta coerente para sua ânsia de eternidade. Por isso o absurdo não aparece como uma resposta satisfatória para ele. Isso foi demonstrado e sustentado por muitos filósofos. Porém, grande parte dos filósofos contemporâneos têm negado a transcendência, surgindo, dessa forma, uma nova forma de refletir sobre os dramas da existência humana. Entre os expoentes dessa reflexão está o filósofo francês Albert Camus (1913-1960), que propõe uma filosofia do absurdo, que se apresenta com muitas contradições. 


 Antes de discorrermos sobre o pensamento de Camus, é bom recordar que os filósofos antigos compreendiam que toda ação humana tende a um fim, da felicidade. O homem sempre age em função de um sentido e com uma intenção. Suas escolhas tendem a plenitude. Este desejo de tornar-se pleno, completo, está inscrito na natureza humana. A partir disso, Aristóteles (384-322 a.C.), seguindo essa perspectiva, sustenta que somos verdadeiramente humanos alcançando o bem de nosso ser à medida que escolhemos aquilo que realiza nossa natureza. Essa realização é o que ele entende por felicidade, perfeição. 


A este pensamento aristotélico sobre o homem podemos acrescentar um outro, de Agostinho de Hipona (354-430 d.C.), que afirma existir no homem um desejo de felicidade, de ser pleno. Este experimenta sua finitude e naturalmente tende ao infinito. Busca completar o seu ser, pois sente-se incompleto. Ele procura a posse de um bem que preencha a carência de sentido que há em sua existência. O pensamento agostiniano também afirma que o homem não pode desejar o que não existe: se em seu ser há um desejo natural de felicidade então há um objeto que corresponda a esse desejo. 


 Essa felicidade é algo que transcende o próprio homem e está para além daquilo que é perecível e material, pois o homem deseja algo imutável: uma felicidade eterna e plena. Se esse mundo finito, perecível, não responde a está realidade infinita que o homem deseja, então ele precisa transcender, precisa ir além de si mesmo e dessa existência. Isto é possível graças a razão que torna o homem apto a abertura com outra realidade que não é si mesmo. Só um sentido infinito eterno e imutável pode dar sentido ao homem. As suas ações são verdadeiramente humanas à medida que se voltam, que tendem para a realização e para a posse dessa felicidade infinita. 


No século XX vários fatores, principalmente as duas grandes guerras mundiais, levaram o homem à um drama existencial ainda não percebido em nenhum momento da história. Esse novo momento está marcado pela negação da realidade transcendente. Entre os expoentes desse pensamento está o filósofo francês Albert Camus. Ele viveu no contexto das duas guerras mundiais e sentiu os efeitos destas, principalmente em sua família. Esta era pobre e Camus só estudou graças a um de seus professores que se admirou da inteligência do jovem estudante e fez de tudo para que não abandonasse os estudos diante das dificuldades, principalmente financeiros.


Camus se dedicou ao teatro e a literatura, mas teve como fundamento a filosofia existencialista de cunho pessimista e ateia. Em seu ensaio “O Mito de Sísifo” (1942), ele expõe sua teoria segundo a qual o homem nunca terá seu desejo de felicidade realizado, porque sua ânsia por eternidade não tem um objeto, não tem sentido. O Homem deseja um sentido racional, mas o mundo só responde irracionalmente. Ele sustenta esse pensamento a partir de dois princípios: primeiro, a incoerência científica e segundo a negação de um Ser Eterno, Deus, que responda ao sentido de eternidade no homem.


A ciência, principalmente com o Iluminismo, fez muitas promessas de felicidade ao homem, mas com o tempo ela mostrou-se incerta e impotente para dar essas respostas fundamentais, porque as teorias cientificas mudam constantemente suas hipóteses, as vezes até se contradizem. Além disso, os cientistas não chegam a um consenso. Logo, ela não é digna de dar uma resposta ao desejo de racionalidade, de felicidade que o ser racional anseia. O homem moderno se frustrou com sua divinização da razão. O iluminismo dava esperança de felicidade, mas o que fez foi gerar no indivíduo um drama existencial. Ao se entregar a razão científica o ser humano perdeu o sentido da transcendência.  


O segundo princípio do pensamento de Camus parte do existencialismo ateu, cujo expoente para ele é Nietzsche, filosofo admirado pelo escritor francês. Mas em sua obra “A Peste” (1947), mostra que seu maior argumento contra a existência de uma Verdade e de um Ser transcendente é o sofrimento humano: como Deus pode permitir tanto sofrimento? O Ser Divino parece ser “indiferente” ante a degradação da humanidade. Portanto, se não há Deus, para ele também não há eternidade. No fundo, ao lermos as principais obras de Camus, antes de uma negação da divindade o que vemos é uma revolta contra um Deus que o cristianismo o apresentou como sendo “amor”.


A partir desses dois princípios, falta de sentido imanente (ceticismo ante a ciência) e transcendente (negação da eternidade), Camus afirma o absurdo da existência: não há sentido para a vida, por isso o absurdo e a revolta estão inscritos no ser do homem. Este, para o filósofo francês, é verdadeiramente homem à proporção que vive o absurdo existencial, sem um sentido e sem uma esperança fundamental. Assim ele é coerente consigo mesmo. Este homem, é designado em “O Mito de Sisifo” como “o homem honesto”. Se a verdade eterna e racional que a natureza humana busca não existe, então seu drama é apaziguado pela aceitação do absurdo. Não há transcendência, mas apenas a fatalidade da vida.


 A partir disso, Camus chama de “suicidas filosóficos” os filósofos que pensaram a existência em seu drama existencial e que deram um sentido transcendente a vida a fim de sustentar o seu desejo de felicidade ante essa situação paradoxal. Entre esses pensadores está Kierkegaard (criticado em “O Mito de Sísifo”). Estes filósofos, para ele, não foram coerentes consigo mesmos, com sua razão. O que fizeram foi dá um salto, porque não há sentido deduzir a existência de um sentido eterno a partir do desejo e do drama existencial. O homem ao se deparar com o absurdo deve se entregar a ele, lutar para manter-se nele e não fugir.


Mas, é interessante e contraditório, embora Camus pregue o absurdismo, ele é contra o suicídio. Se não há esperança, nem transcendência, nem sentido eterno então cabe ao homem esgotar a existência, aproveitar tudo o que a vida oferece, por isso não pode suicidar. Além do mais o suicídio seria uma fuga do absurdo, daquilo que ele afirma como verdadeiramente humano. O homem deve aproveitar da liberdade e viver todas as experiências para poder esgotar o que a vida lhe dá enquanto não chega a fatalidade da morte. A liberdade é guiada pelo absurdo, não tem um sentido, apenas deseja experimentar e usufruir de todo prazer possível (o donjuantismo).  


Podemos destacar quatro falhas no pensamento de Camus. A primeira e maior contradição é que ao afirmar que não há sentido para a existência, ele sustenta de forma implícita o absurdo como sendo um sentido para a falta de sentido. O homem ao encontrar o absurdo deve manter-se nele, buscar tudo para sustenta-lo e afirma-lo. O absurdo passa a ser o fim e a norma da vida humana. Toda as ações humanas são em vista desse fim. 


 Segunda incoerência, a história nos apesenta homens e mulheres que viveram na certeza de que há um sentido para a existência e suas vidas tornaram-se modelos de humanidade. Entre esses podemos destacar Jesus de Nazaré, tão admirado pelo pensador francês. 


 Terceiro, os filósofos que refletiram sobre o homem e que ao se depararem com o drama existencial deram um sentido para que suas vidas não caíssem no absurdo, eles não deram um salto, não foram incoerentes consigo mesmo, mas pelo contrário, estes foram mais coerentes com sua própria razão porque souberam ao se depararem com o absurdo encontrar um sentido, nota fundamental do seu ser. Eles não forçam a razão, mas encontram a partir de uma equação de fatores a conclusão do raciocínio, o objeto ao qual tende a racionalidade: um sentido. O absurdo, a falta de esperança, desumaniza o homem, tira deste sua força de realização, de construir um futuro, que tem como nota fundamental o esperar por algo melhor e duradouro. Esses filósofos da existência afirmaram a beleza da vida humana mesmo em seus momentos de fragilidade e de desespero. 


Quarta incoerência, Camus, na mesma linha de Sartre, que foi por um tempo seu amigo, afirma a pura liberdade humana e nega a existência de Deus para que essa liberdade seja plenamente vivida e real. Então a acusação de que Deus é indiferente ao sofrimento humano, no sentido de não interferir, é derrubada. O homem é livre e deve assumir a suas responsabilidades. Deus respeita a liberdade do homem. Mas, em meio a isso não podemos deixar de recordar os sofrimento dos inocentes, que sempre foi e será um escândalo que marcar a história da humanidade. Mas os homens de sentido, o homem honesto com sua razão e com sua natureza, sempre foi capaz de olhar para esse sofrimento não como um fim, ou como uma realidade perpétua, seu olhar é de esperança, o seu sentido está para além dessa realidade de dor. Esses, mais uma vez, foram na história lembrados como exemplos de humanidade. Estamos longe de encontrar uma resposta para esse sofrimento, mas uma coisa é certa: a ausência de uma explicação para ele não pode nos levar a concluir a falta de um sentido que transcenda, que responda ao desejo de felicidade inscrito no ser humano. 


 A esperança, diferentemente do que pensa o filósofo do absurdo, não é um mal para o homem, mas uma força que sustenta a existência, principalmente diante da dor. O sentido tem como nota principal a espera por uma outra vida. O próprio Camus em sua obra “O Estrangeiro” (1942) afirma essa espera como sendo natural ao homem, mas nega que ela tenha uma realização. A esperança nasce do sentido. O homem que Camus sustenta é um homem frio, vazio, um homem sem um “princípio vital”. O absurdo é irracional, não é humano. Cabe-nos olhar para nossas experiências cotidianas, olhar para o fenômeno que é a existência humana em toda sua complexidade e nos perguntarmos o que é mais humano: o absurdo ou a existência de um sentido? Sabemos que a resposta para os dramas da existência não pode ser simplesmente afirmar o absurdo, isso é uma escolha desonesta e covarde do homem ante sua natureza racional. 


 Se a ciência moderna desacreditou a humanidade isso mostra que ela não pode ser a resposta que ele anseia. No entanto, o homem contemporâneo não pode se acovardar, deve buscar o sentido. Ele deseja o Infinito, a felicidade, a eternidade, isso é fundamental em seu ser. Essa felicidade não é absurda, não é inexistente. Muitos homens pelo auxílio da razão encontraram e encontram seus sinais inscritos em seu próprio ser. Isso os levou e tem levado a procurar e a manter o sentido, a esperança que os torna verdadeiramente humanos: a felicidade para as quais tendem suas escolhas fundamentais. 


Manoel Messias Dias Santos
2º ano de Teologia  
Diocese de Estância-SE


Nenhum comentário: